Friday, January 05, 2007

Quarentão sadicamente feliz.

Internei-me, em uma clínica onde eu mesmo sou o dono, uma internação perpétua, na verdade um xilindró que eu costumo chamar de casa, algo bem pueril, imundo, com roupas espalhadas por todos os lados, imagens de tudo que foi antes, livros amontoados aqui e acolá, livros que li pela metade por não conseguir terminar, ou talvez por não querer mesmo, como estive pensando. Pra que termina-los é bom sempre saber que eles estão ali para serem terminados um dia, por medo de terminá-los e não ter mais o que fazer, ou medo de sempre falhar no que me aprofundo? Talvez um pouco de tudo isso, estou bêbado, tudo que falo, divaga entre meus pensamentos, parece complicar ainda mais o quebra-cabeça de cacos de vidro onde minha imagem refletida foi espatifada junto ao copo que me arremessei por raiva, raiva de estar parado, raiva de estar olhando um reflexo de um ser que desconheço que provavelmente ela desconhecia um ser que não teve coragem alguma pra ser algo, pra se mostrar, um ser que parece muitas vezes não merecer existir, um ser que se tornou impenetrável por palavras que tentam chama-lo a razão.

Coração de pedra, coberto por cobre, gelado pelo tempo frio, mas com sangue quente correndo por ele, talvez seja esse sangue que ainda o deixe vivo. Esse sangue que se perdia quando ele se cortava tentando consertar algo nela ou às vezes até nele mesmo. Ele não podia tirar os olhos dela, não podia virar a esquina, que a falta dela era desconcertantemente voraz consumindo-o e o levando a loucura novamente, afinal ela era o ponto de equilíbrio, para ele, ela era a razão e perfeição que o dia a dia tirou dele, todos esses anos ela estivera ao seu lado.

Antes de todos esses anos a felicidade para ele parecia distante, a perspectiva de ser feliz o assustava, contradizia toda a sua suposta depressão que provavelmente era só uma armadura, ou sua seu raciocínio tentando achar pra tudo alguma explicação plausível, ser feliz se tornou aparentemente insuportável pra ele, aqueles momentos perfeitos ausentes do que foi por tantos anos, egoísta, individualista ao extremo, fizeram transparecer seus defeitos, suas falhas, as mascaras caídas. Junto a ela até esse momento de sua vida, noites e noites desde então, desnudos eles trepavam durante toda a noite. Lembrando-se de tudo isso ele caia aos prantos, bêbado, ouvindo seu vinil da Elis Regina que lembrava tanto o casal, trocou pelo vinil do Alceu que lembrava tanto aquela outra, e foi trocando de vinil em vinil, de mulher em mulher, de punheta em punheta até achar o sono. Mesmo tentando por tantas memórias de outras “mulheres-amantes” que ele teve durante seu frágil casamento, as lembranças sobre ela permaneciam. E os sonhos de repetição, de tanta decepção, repetidas e repetidas vezes, com as mulheres de antes, e com o sofrimento/mulher atual, que na verdade já nem era tão atual assim, e a eminência assustadora, de ali encontrar seu prazer, tendo os motivos pra sofrer, e tentar ser feliz novamente, na verdade ele só queria ser feliz pra voltar então a ser infeliz? Seria essa sua real felicidade? Estariam mesmo os valores invertidos a tal ponto? Isso era apenas sua fantasia por medo do sofrimento maior do tal amor, o qual teve uma vez até então, para nunca mais, agora o lance era fazer sofrer. Criar a cadeia de sofrimento de um em um, de uma em uma, que ele sempre achara absurda que quando mais novo via nos mais velhos. E foi nisso que ele se entrelaçou. A ressaca o torna arrependido, por medo de perder uma vez, ele nunca se entrega, individual, prazer, culpa. E assim segue arrependido, até as próximas doses o entorpecerem em seu prazer/sofrimento/prazer novamente. Até as próximas vitimas ele fazer sofrer, mulheres às vezes com vinte e poucos anos, ele diz que não gosta de tão novas, pois são muito manipuláveis pela já maquiavélica mente que ele possui, ele prefere as de trinta e pouco, pois as considera no ponto da maturidade, é claro que algumas fogem a exceção, quem sabe depois de tanto se fazer amar para pisar depois ele não encontre alguém, e não viva uma felicidade verdadeira por alguns minutos e momentos e uma satisfação que dure ate seus últimos anos.

Por Cadu Tenório e Breno Araújo